segunda-feira, 27 de junho de 2011

enfim, os três mal amados.

olá, pessoas que ainda frequentam este blog que parece (só parece) abandonado. ultimamente, tem sido poucas as minhas reflexões por aqui, é verdade. mas continuam mantendo a mesma essência de antes. só que com menos tempo para serem exploradas. e por isso, peço desculpas.

hoje volto para encerrar a saga dos mal amados de joão cabral de melo neto, como prometido. aconselho que, caso você não tenha lido os post anteriores a respeito desta obra, faça-o antes de continuar a ler este : "então tá, vamos falar de amor... e poesia." e "o segundo dos mal amados".

 joão cabral de melo neto

também lembro que disse que voltaria não só com o primeiro dos mal amados, mas também com os três mal amados na versão de carlos drummond de andrade. bom, na verdade, drummond que foi a grande inspiração de joão cabral de melo neto a escrever essa poesia de anti-amor.

o poema "quadrilha" faz parte do primeiro volume lírico de drummond entitulado "alguma poesia", de 1930. mil novecentos e trinta! de composição breve, este tipo de "poema piada", como era chamado pelos modernistas, de apenas uma única estrofe "é uma radiografia da hipocrisia mundana"...

quadrilha

joão amava teresa que amava raimundo
que amava maria que amava joaquim que amava lili
que não amava ninguém.
joão foi para os estados unidos, teresa para o convento,
raimundo morreu de desastre, maria ficou para tia,
joaquim suicidou-se e lili casou com j. pinto fernandes
que não tinha entrado na história.

esse poema inspirou não só joão cabral de melo neto, mas também o compositor osvaldo lacerda que o musicou. e enquanto eu estava escrevendo este post, lembrei que chico buarque dá uma pincelada nesta quadrilha em uma de suas músicas... mas essa vai ter que ficar pra depois! (pelo visto não esgoto esse assunto hoje...!)

sem mais enrolações, com vocês, palavras de joão:

olho teresa, vejo-a sentada aqui a meu lado. a poucos centímetros de mim. a poucos centímetros, muitos quilômetros. por que essa impressão de que precisaria de quilômetros para medir a distância, o afastamento em que a vejo nesse momento?

olho teresa como se olhasse o retrato de uma antepassada que tivesse vivido em outro século. ou como se olhasse um vulto em outro continente, através de um telescópio. vejo-a como se cobrisse a poeira tenuíssima ou o ar quase azul que envolvem as pessoas afastadas de nós muitos anos e léguas.

posso dizer dessa moça a meu lado que é a mesma teresa que durante todo o dia de hoje, por efeito do gás do sonho, senti pegada a mim?

esta é a mesma teresa que na noite passada conheci em toda intimidade? posso dizer que a vi, falhei-le, posso dizer que a tive em toda intimidade? que intimidade existe maior que a do sonho? a desse sonho que ainda trago em mim como um objeto que me pesasse no bolso?

ainda me parece sentir o mar do sonho que inundou meu quarto. ainda sinto a onda chegando à minha cama. ainda me volta o espanto de despertar entre móveis e paredes que eu não compreendia pudessem estar enxutos. e sem nenhum sinal dessa água que o sol secou, mas de cujo contacto ainda me sinto friorento e meio úmido (penso agora que seria mais justo, do mar do sonho, dizer que o sol o afugentou, porque os sonhos são como as aves, não apenas porque crescem e vivem no ar).

teresa aqui está, ao alcance de minha mãe, de minha conversa. por que, entretanto, me sinto sem direitos fora daquele mar? ignorante dos gestos, das palavras?

o sonho volta, me envolve novamente. a onda torna a bater em minha cadeira, ameaça chegar até a mesa. penso que, no meio de toda essa gente de terra, gente que parece ter criado raízes, como um lavrador ou uma colina, sou o único a escutar esse mar. talvez teresa...

talvez teresa... sim, quem me dirá que esse oceano não nos é comum?

posso esperar que esse oceano nos seja comum? um sonho é uma criação minha, nascida de meu tempo adormecido, ou existe nele uma participação de fora, de todo o universo, de uma geografia, sua história, sua poesia?

o arbusto ou a pedra aparecida em qualquer sonho pode ficar indiferente à vida de que está participando? pode ignorar o mundo que está ajudando a povoar? é possível que sintam essa participação, esses fantasmas, essa teresa, por exemplo, agora distraída e distante? há algum sinal que faça compreender termos diso, juntos, peixes de um mesmo mar?

donde me veio a ideia de que teresa talvez participe de um universo privado, fechado em minha lembrança, desse mundo que através de minha fraqueza eu me compreendi ser o único onde será possível cumprir os atos mais simples, como por exemplo caminhar, beber um copo de água, escrever meu nome, nada, nem mesmo teresa. 

bom, vou deixar os devaneios sobre esse texto pra vocês, meu caros leitores. mas farei as devidas reflexões no próximo post. só não o faço neste, porque já me estendi demais e porque quero dividir com vocês o prazer de elevar o pensamento até onde alcança uma poesia por si só. e que assim seja.

até breve. 




domingo, 19 de junho de 2011

"ouça-me bem, amor"

devido ao sucesso (rs) do post em que eu contei sobre a verdadeira história da música "conversa de botas batidas" do los hermanos ("poesia no noticiário."), volto hoje com mais um post desse.

agora trago uma lenda da música brasileira, um dos principais nomes quando o assunto é samba: angenor de oliveira, mais conhecido como cartola. 


carioca, boêmio, deu nome e cores à estação primeira de mangueira e recebeu este apelido porque quando trabalhava como pedreiro usava um chapéu para que o cimento não lhe sujasse a cabeça, o qual chamava de cartola. (se quiser saber mais sobre a vida desse ícone, clique aqui.)

não consegui - e peço desculpas por isso - encontrar nada muito concreto, mas o que pude ler pelo espaço cibernético é que cartola, ao compor a música "a vida é um moinho", inspirou-se nos sentimentos que vinham à sua alma numa noite em que passou em claro quando recebeu a notícia de que sua filha agora pertencia às esquinas da cidade e àqueles que estavam dispostos a pagar pelo prazer.

não se sabe até que ponto isso é verdade, pois, como bem lembrado (obrigada, querido), cartola era estéril. porém adotou ronaldo silva e criou glória regina, filha de sua segunda esposa, dona zica. independente da veracidade da história, vale a pena acompanhar a letra dessa música.


a vida é um moinho

ainda é cedo amor
mal começaste a conhecer a vida
já anuncias a hora de partida
sem saber mesmo o rumo que irás tomar
preste atenção, querida
embora saiba que estás resolvida
em cada esquina cai um pouco a tua vida
e em pouco tempo não serás mais o que és
ouça-me bem, amor
preste atenção, o mundo é um moinho
vai triturar seus sonhos tão mesquinhos
vai reduzir as ilusões a pó
preste atenção, querida
de cada amor tu herdarás só o cinismo
quando notares, estás a beira do abismo
abismo que cavastes com teus pés.

a complexidade de seus sentimentos traduzida em versos simples, somada à melancólica melodia nos faz imaginar - mesmo que essa história não seja real - a dor de um pai ao receber uma notícia como essa. cartola é realmente um gênio. um gênio do morro. um gênio popular.

com certeza eu volto pra falar sobre outras obras desse grande artista que, diga-se de passagem, sou muito fã. mas pra você que não conhece mais do que "as rosas não falam", presenteie sua alma com samba, poesia e amor... ouça cartola!

beijo, meu povo!


domingo, 12 de junho de 2011

"e que minha loucura seja perdoada..."

em contraste a todo o amor exalado neste dia, uma oração aos que o passaram longe de quem ama. ainda que por opção...


oswaldo montenegro - metade


que a força do medo que tenho
não me impeça de ver o anseio.
que a morte de tudo em que acredito
não me tape os ouvidos e a boca.
porque metade de mim é o que eu grito,
mas a outra metade é silêncio.

que a música que eu ouço ao longe
seja linda ainda que tristeza.
que a mulher que eu amo seja pra sempre amada
mesmo que distante.
porque metade de mim é partida,
mas a outra metade é saudade.

que as palavras que eu falo
não sejam ouvidas como prece e nem repetidas com fervor,
apenas respeitadas como a única coisa
que resta a um homem inundado de sentimentos.
porque metade de mim é o que ouço,
mas a outra metade é o que calo.

que essa minha vontade de ir embora
se transforme na calma e na paz que eu mereço.
e que essa tensão que me corrói por dentro
seja um dia recompensada.
porque metade de mim é o que penso,
mas a outra metade é um vulcão.

que o medo da solidão se afaste
e que o convívio comigo se torne ao menos suportável.
que o espelho reflita em meu rosto um doce sorriso
que eu me lembro ter dado na infância.
porque metade de mim é a lembrança do que fui,
a outra metade eu não sei.

que não seja preciso mais do que uma simples alegria
para me fazer aquietar o espírito.
e que o teu silêncio me fale cada vez mais.
porque metade de mim é abrigo,
mas a outra metade é cansaço.

que a arte nos aponte uma resposta,
mesmo que ela não saiba.
e que ninguém a tente complicar.
porque é preciso simplicidade para fazê-la florescer.
porque metade de mim é platéia,
e a outra metade é canção.

e que a minha loucura seja perdoada.
porque metade de mim é amor,
e a outra metade também.



encerro meu post por aqui. sem mais. 




(em tempo: se você acompanhou o vídeo com a poesia escrita logo em seguida, vai perceber que ele pula alguns versos. desculpem-me, mas foi o único vídeo decente que consegui encontrar.)

domingo, 5 de junho de 2011

o segundo dos mal amados.

pois é... voltei!

não to conseguindo encontrar tempo nessa nova rotina pra me dedicar ao blog. mas não deixo de pensar nele no fim do dia, quando toda loucura fica pra trás e eu posso enfim sentar na frente dessa máquina. só que o cansaço é tamanho, que não consigo sequer começar a escrever qualquer coisa que seja... e como não quero escrever por escrever (acho que já falei isso aqui), prefiro encontrar um tempinho, mesmo que seja no finzinho do final de semana, pra escrever pra vocês.

como dito no post: "então tá, vamos falar de amor... e poesia.", hoje trago o segundo mal amado de joão cabral de melo neto... com vocês, palavras de raimundo:

"maria era a praia que eu frequentava certas manhãs. meus gestos indispensáveis que se cumpriam a um ar tão absolutamente livre que ele mesmo determina seus limites, meus gestos simplificados diante de extensões de que uma luz geral aboliu todos os segredos.

maria era sempre uma praia, lugar onde me sinto exato e nítido como uma pedra - meu particular, minha fuga, meu excesso imediatamente evaporados. maria era o mar dessa praia, sem mistério e sem profundeza. elementar, como as que podem ser mudadas em vapor ou poeira.

maria era também uma fonte. o líquido que começaria a jorrar num momento que eu previa, num ponto que eu poderia examinar, em circunstâncias que eu poderia controlar. eu aspirava acompanhar com os olhos o crescimento de um arbusto, o surgimento de um jorro de água.

maria era um copo vago, impreciso. eu estava ciente de todos os detalhes de seu corpo, que poderia reconstruir à minha vontade. sua boca, seu riso irregular. todos esses detalhes não me seria difícil arrumá-los, recompondo-a, como num jogo de armar ou uma prancha anatômica.

maria era também, em certas tardes, o campo cimentado que eu atravessava para chegar em algum lugar. sozinho sobre a terra e sob um sol que me poderia evaporar de toda nuvem.

maria era também uma árvore. um desses organismos sólidos e práticos, presos à terra com raízes que exploram e devassam seus segredos. e ao mesmo tempo lançadas para o céu, com quem permutam seus gases, seus pássaros, seus movimentos.

maria era também uma garrafa de aguardente. aproximo o ouvido dessa forma correta e explorável e percebo o rumor e os movimentos de sonhos possíveis, ainda em sua matéria líquida, sonhos de que disporei, que submeteria a meu tempo e minha vontade, que alcançarei com a mão.

maria era também o jornal. o mundo ainda quente, em sua última edição e mais recente.

maria era também um livro: susto de que estamos certos, susto que praticar, com que fazer os exercícios que nos permitirão entender a voz de uma cadeira, de uma cômoda, susto cuidadosamente oculto, como qualquer animal venenoso entre folhas claras e organizadas dessa floresta numerada que leva dísticos explicativos: poesia, poema, versos.

maria era também a folha em branco, barreira oposta ao rio impreciso que corre em regiões de alguma parte de nós mesmos. nessa folha eu construirei um objeto sólido que depois imitarei, o qual depois me definirá. penso para escolher: um poema, um desenho, em cimento armado - presenças precisas e inalteráveis, opostas a minha fuga.

maria era também o sistema estabelecido de antemão, o fim onde chegar. era a lucidez, que, ela só, nos pode dar um modo novo e completo de ver uma flor, de ler um verso."

e nada faria sentido sem o amor. sem aspas.

raimundo não inspira o mesmo sentido de amor que joaquim, aquele amor sofredor, que mata de tanto que dói. que SE mata de tanto que dói. mas inspira a mesma intensidade. um amor distante e próximo, íntimo e desconhecido... um amor solitário.

na verdade, joaquim é o terceiro mal amado. portanto, quando eu voltar a dissertar sobre esta genialidade de joão cabral de melo neto, volto com o primeiro dos mal amados mais os três mal amados na versão de carlos drummond de andrade.

amor, minha gente. até a próxima.



marmper